Por Maria Aparecida Pellegrina - 08/06/2020
A finalidade desta reflexão é estabelecer um paralelo sob ponto de vista trabalhista e cível, no que concerne ao maior problema vivenciado pela humanidade, hoje denominado a peste do Covid-19.
Porém, antes de caminhar neste tema, cumpre ser analisados os dispositivos legais que tratam da doença profissional ou do trabalho, ou ainda, decorrente de contaminação acidental do empregado, pelo seu trabalho.
O Código Civil Brasileiro cuida da indenização por danos emergentes, lucros cessantes, culminando com a hipótese de pensão até a cessação da inabilitação.
Observe-se o que disciplinam os diplomas legais. Dispõe o artigo 20, incisos I e II da Lei 8.213/91 que:
“I - Doença profissional é aquela produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social e;
II - Doença do trabalho é aquela adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente”.
Por seu turno, o artigo 21, inciso III da mesma Lei, declara que:
¨ Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei: ...
III - a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade¨”.
Já o artigo 950 do Código Civil ensina que:
“Se da ofensa resultar defeito pelo qual o ofendido não possa exercer o seu ofício ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescença, incluirá pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu.”
Sob a égide dos mencionados dispositivos legais, parece relevante àqueles que se dedicam ao labor da ciência do Direito, estabelecer parâmetros, que certamente se aplicarão a situações de cada trabalhador, em qualquer lugar do mundo.
Em convergência aos dispositivos legais supracitados, o Pacto de San José da Costa Rica de 22 de novembro de 1969, trouxe ao mundo a redação sobre os direitos e garantias conferidos ao ser humano, que afluem à dignidade da pessoa humana. Em complementação, foi editado a 17 de novembro de 1988, o Protocolo de San Salvador, cujo entendimento contido no artigo 6º confere que “toda pessoa tem direito ao trabalho, o que incluí a oportunidade de obter os meios para levar uma vida digna e decorosa por meio do desempenho de uma atividade lícita, livremente escolhida ou aceita.”
Considerando os norteadores legais supracitados, a análise do covid-19 ganha destaque na conjuntura brasileira, mas, em especial, aos impactos nas relações trabalhistas, tendo em vista esta não possuir característica a qualquer atividade, pois não se trata de doença ocupacional, também não cuida de atingir qualquer etnia, profissão ou classe social e, ainda, não é adquirida ou desencadeada pelo tipo de trabalho exercido.
Neste sentir, aprofundando mais no cenário interno brasileiro, o I. Supremo Tribunal Federal suspendeu trecho da Medida Provisória 927 de 22/03/2020, que dispôs sobre medidas trabalhistas de enfrentamento do estado de calamidade pública, especificamente no ponto que atribuía a necessidade de existir uma relação entre a atividade exercida pelo profissional e a contaminação pelo vírus, ou seja, o nexo causal foi afastado do seu entendimento.
Assim, é bastante discutível a decisão do Supremo Tribunal Federal, na medida em que, uma contaminação através do Covid-19 pode ocorrer em qualquer lugar, em qualquer situação, mormente em situações estranhas ao labor.
Contudo, e em que pese tal entender, é sabido que doença ocupacional é gênero, sendo certo que doença profissional é espécie, logo, existe a necessidade da presença de um liame causal ou concausal, para afirmar que a contaminação se deu por conta do labor.
É crível pensar que no futuro poderá ser considerada como doença profissional por um grupo de trabalhador específico, já que, conforme as condições de trabalho, é possível ser adquirida por profissionais da saúde e até mesmo aqueles que prestam serviços auxiliares, nas dependências de hospitais, postos de saúde, atividades de limpeza, manutenção, ou ainda, motoristas profissionais, trabalhadores do comércio, etc.
Em reflexão maior, estudos apontam que a taxa de contágio do vírus é muito alta, podendo ela ocorrer no deslocamento da pessoa, seja para casa, para o trabalho, ao mercado, ou até mesmo a lazer quando houver a flexibilização da quarentena, ou seja, neste cenário como um todo, os ambientes merecem cuidados com necessária esterilização, bem como, a pessoa, colaborador de uma empresa, pai ou mãe de família, independente de qualquer adjetivação, também deverá se empenhar às novas boas práticas sanitárias que o momento impõe.
Desta forma, esta circunstância não pode ser transformada em vala comum para subsidiar processos na esfera trabalhista e cível, mas, quando provocada, certamente o provimento jurisdicional deverá equacionar, numa visão conciliadora, a preservação da vida, da dignidade humana e do trabalho.
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Maria Aparecida Pellegrina é advogada, Desembargadora aposentada e ex- Presidente do TRT-SP. É integrante da Academia Paulista de Direito doTrabalho, ocupando a cadeira nº
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