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EC Nº 92/2016: Requisitos para o provimento de cargos de Ministros do TST e modificar a competência

Otávio Pinto e Silva - 11/05/2020


EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 92/2016


1. Introdução

O Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional nº 92, por meio da qual foram alterados os artigos 92 e 111-A da Constituição Federal, com o objetivo de explicitar o Tribunal Superior do Trabalho como órgão do Poder Judiciário, alterar os requisitos para o provimento dos cargos de Ministros daquele Tribunal e modificar-lhe a competência.

O projeto de emenda à Constituição foi apresentado pelo Senador Valter Pereira, que justificou a necessidade da medida esclarecendo que a Constituição Federal, ao estruturar a organização do Poder Judiciário referiu-se ao Tribunal Superior do Trabalho (TST) apenas de maneira implícita ao se referir, no inciso IV do artigo 92, a “Tribunais e Juízes do Trabalho”. Dessa forma, deu-lhe condição assemelhada a outros dois Tribunais: o Superior Eleitoral e o Militar.

Ocorre que, no exercício de suas funções institucionais e para se desincumbir de suas competências legalmente estabelecidas, o TST na prática guarda maior similaridade com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), que está expressamente identificado no artigo 92 da CF: afinal, o TST também desempenha, em seu âmbito de atuação, papel de uniformizador e último intérprete da legislação infraconstitucional.

Nesse sentido, possível afirmar que o recurso especial (no STJ) e o recurso de revista (no TST) desempenham função equivalente: devolver ao respectivo Tribunal a cognição extraordinária de questões de direito, de modo a preservar a integridade do direito federal.

Por essas razões, o Senador considerou conveniente a correção dessa incompatibilidade entre o artigo 92 da Constituição Federal e a forma como as demais normas constitucionais relativas ao tema se institucionalizaram e, na prática, vêm sendo aplicadas.

No mesmo sentido, de aproximação entre a posição desses dois Tribunais na estrutura do Poder Judiciário, também foi considerado oportuno incluir os requisitos de “notável saber jurídico” e “reputação ilibada” entre as condições de nomeação para o cargo de Ministro do TST (eis que tais requisitos já eram exigidos dos Ministros do STJ).

Finalmente, a proposta também tratou de prever o cabimento da reclamação no âmbito do TST, como o remédio processual para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

2. A reclamação na competência do TST

A meu sentir, esse é o aspecto fundamental que justificou a aprovação da alteração no texto constitucional: tratou-se de criar o fundamento jurídico a sustentar o cabimento de um novo mecanismo que veio para reforçar a atividade jurisdicional do TST.

É que o STF já havia decidido pela inconstitucionalidade de criação do instituto da reclamação por meio de norma de regimento interno: no julgamento da Reclamação nº 405.031, o STF declarou a inconstitucionalidade da norma do regimento interno do TST, ressaltando que, no âmbito federal, cabe ao Congresso Nacional dispor sobre a matéria mediante lei ordinária.2

Os artigos 190 a 194 do Regimento Interno do TST, que dispunham sobre o instituto da reclamação naquele tribunal, foram considerados inconstitucionais pelo STF no julgamento de recurso extraordinário interposto pelo Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas no Estado de Alagoas.

Para o relator do caso, ministro Marco Aurélio, a criação da reclamação via regimento interno é inconstitucional, pois há necessidade desse instrumento estar previsto em lei no sentido formal e material. De acordo com o relator, o Supremo já admitiu a possibilidade de Constituição Estadual introduzir a reclamação com base no artigo 125, parágrafo 1º, da CF; no entanto, no âmbito federal, cabe exclusivamente ao Congresso Nacional dispor sobre a matéria, o que explica, portanto, a aprovação da Emenda Constitucional nº 92.

O STF entende que a reclamação constitucional pode ser intentada perante os Tribunais de Justiça, desde que haja previsão na respectiva Constituição Estadual e, ainda, nos respectivos regimentos internos. A adoção da reclamação constitucional no âmbito dos Tribunais de Justiça decorre da combinação entre os princípios da simetria dos entes federados e da efetividade das decisões judiciais.

Já a simples previsão de reclamação em Regimento Interno do TST foi vista como insuficiente, pois faltaria o fundamento constitucional ou legal para o seu processamento.

Importante esclarecer que a reclamação constitucional se consolidou na jurisprudência do STF com fundamento no princípio dos poderes implícitos, vale dizer, os tribunais têm poderes implícitos (como é o caso do poder geral de cautela). Esses poderes implícitos dos tribunais são necessários para o próprio exercício dos poderes explícitos: como os tribunais possuem o poder explícito de julgar, em consequência também possuem os poderes implícitos de dar efetividade às próprias decisões e de defender a própria competência.

Para exercer esses poderes implícitos é que se concebeu a reclamação constitucional. Porém, esse remédio somente pode ser usado no âmbito dos Tribunais de Justiça se houver previsão na Constituição Estadual e, igualmente, no regime interno do respectivo tribunal, em razão do princípio da simetria, que impõe a reprodução de certas regras de competência federal para o campo estadual.

Sendo o STF o órgão de cúpula da Justiça Federal, com competência para processar e julgar reclamação constitucional, o Tribunal de Justiça é simetricamente o órgão de cúpula do Estado-membro, com idêntica competência para processar e julgar a reclamação, com vistas a exercer seus poderes implícitos de fazer valer suas decisões e impor respeito às suas atribuições institucionais.

Percebe-se, assim, que o chamado princípio da simetria relaciona-se diretamente com o federalismo. O órgão de cúpula do Poder Judiciário de cada Estado-membro deve ser correspondente, de maneira simétrica, ao órgão de cúpula do Poder Judiciário federal.

Mas no tocante à Justiça do Trabalho, o TST havia regulamentado por meio de seu regimento a competência para julgar a reclamação contra ato que desafiasse a autoridade de suas decisões.

Ocorre que a extinção da reclamação como instrumento processual, determinada pelo STF ao declarar a inconstitucionalidade dos artigos 190 a 194 do Regimento Interno do TST, não se aplica somente ao caso concreto apreciado naquela ocasião, mas a todos os demais sobre a mesma matéria.

Com este fundamento, o Órgão Especial do TST negou provimento a agravo regimental da Publicar Listas Telefônicas Ltda., que pleiteava, por meio de reclamação, a garantia da autoridade de decisão do TST que declarou a prescrição total de processo que corre na 26ª Vara do Trabalho de São Paulo e a suspensão de todos os atos judiciais da fase de execução.

Desse modo, então, o TST entendeu que a mencionada decisão do Supremo, mesmo tendo sido proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade (e, portanto, sem eficácia erga omnes), deve valer para todos os demais casos de ajuizamento de reclamação perante a maior corte trabalhista.3

Segundo o relator do agravo, ministro Vieira de Mello Filho, mostrava-se inviável o prosseguimento da reclamação, ajuizada em 2007, em razão de fato superveniente: a decisão do STF, proferida em 2008, no julgamento do RE 405.031, que suspendeu a eficácia das normas regimentais que tratavam do instituto da reclamação no âmbito do TST.

Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 92, assim, resgata-se a possibilidade do TST julgar a reclamação, suprindo-se a ausência de autorização constitucional ou legal que tinha levado à declaração da inconstitucionalidade dos dispositivos do regimento interno que tratavam do instituto.

3. A natureza jurídica da reclamação constitucional

Cabe então, diante da nova ordem ora instaurada, alguma reflexão sobre o instituto da reclamação constitucional. Segundo ensina Gisele Santos Fernandes Góes, a partir da Constituição de 1988 a reclamação passa a ser um importante instrumento de proteção da jurisdição constitucional, pois sua finalidade é afastar a insegurança jurídica, eliminando o conflito surgido que advém da invasão de competência e/ou desobediência.4

No julgamento da ADI 2.212 o STF alterou entendimento firmado em período anterior à ordem constitucional vigente para assegurar a adequação do instituto com os preceitos da Constituição de 1988, tendo em vista a sua natureza jurídica de direito de petição (art. 5º, XXIV, da CF) e de acordo com os princípios da simetria (art. 125, caput e § 1º) e da efetividade das decisões judiciais.5

Cândido Rangel Dinamarco apoia-se em Carnelutti para conceituar a reclamação como “remédio processual”, figura ampla que abriga em si todas as medidas mediante as quais, de algum modo, se afasta a eficácia de um ato judicial viciado, se retifica o ato ou se produz sua adequação aos requisitos da conveniência ou da justiça.6

Ada Pellegrini Grinover nega a natureza de recurso à reclamação, diante de seu duplo objetivo de preservar a competência do tribunal e garantir a autoridade de suas decisões: a) não visa a impugnar uma decisão, mas justamente a assegurá-la; b) não é utilizada antes da preclusão, mas, ao contrário, depois do trânsito em julgado da decisão que quer preservar; c) não se faz na mesma relação processual, mas depois que esta encerrou; d) não objetiva reformar, invalidar, esclarecer ou integrar decisão, mas sim garantir a autoridade de uma decisão cujo conteúdo se quer justamente assegurar.7

4. A reclamação no CPC/2015

No CPC/2015, há um Capítulo reservado a regular o instituto, prevendo o artigo 988 que caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: I - preservar a competência do tribunal; II - garantir a autoridade das decisões do tribunal; III – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; IV – garantir a observância de acórdão proferido em julgamento de incidente de resolução de demandas repetitivas ou de incidente de assunção de competência.

A reclamação pode ser proposta perante qualquer tribunal, e seu julgamento compete ao órgão jurisdicional cuja competência se busca preservar ou cuja autoridade se pretenda garantir, sendo que deve ser instruída com prova documental e dirigida ao presidente do tribunal.

Assim que recebida, a reclamação será autuada e distribuída ao relator do processo principal, sempre que possível. As hipóteses dos incisos III e IV do artigo 988 compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam.

É inadmissível a reclamação: I – proposta após o trânsito em julgado da decisão reclamada; II – proposta para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos, quando não esgotadas as instâncias ordinárias. A inadmissibilidade ou o julgamento do recurso interposto contra a decisão proferida pelo órgão reclamado não prejudica a reclamação.

O artigo 989 do CPC/2015 regula o procedimento da reclamação e prevê que o relator, ao despachá-la, requisitará informações da autoridade a quem for imputada a prática do ato impugnado, que as prestará no prazo de dez dias. Se necessário, ordenará a suspensão do processo ou do ato impugnado para evitar dano irreparável, e determinará a citação do beneficiário da decisão impugnada, que terá prazo de quinze dias para apresentar a sua contestação.

O artigo 990 do CPC/2015 prevê que qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante; para isso, basta demonstrar o seu legítimo interesse.

Na reclamação que não houver formulado, o Ministério Público terá vista do processo por cinco dias, após o decurso do prazo para informações e para o oferecimento da contestação pelo beneficiário do ato impugnado (artigo 991 do CPC/2015).

Julgando procedente a reclamação, o tribunal cassará a decisão exorbitante de seu julgado ou determinará medida adequada à solução da controvérsia (art. 992) e o presidente do tribunal determinará o imediato cumprimento da decisão, lavrando-se o acórdão posteriormente (art. 993).

Como se vê, a reclamação mostra-se como uma ferramenta eficaz para garantir a autoridade das decisões dos tribunais, preservando sua competência quando molestada por ato de tribunal inferior, o que ganha mais relevância quando se está diante de sistema que, cada vez mais, privilegia os precedentes, de acordo com a lição de José Rogério Cruz e Tucci: ao preservar a estabilidade, orientando-se pelo precedente judicial em situações sucessivas assemelhadas, os tribunais contribuem, a um só tempo, para certeza do direito e para a proteção da confiança na escolha do caminho trilhado pela decisão judicial 8

5. Conclusão

A aprovação da Emenda Constitucional nº 92 serviu para explicitar o Tribunal Superior do Trabalho como órgão do Poder Judiciário e alterar os requisitos para o provimento dos cargos de Ministros daquele Tribunal, mas o principal efeito, sem dúvida, foi o de assegurar a possibilidade de julgar a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões.

Trata-se de importante remédio constitucional na medida em que, como observa Cândido Rangel Dinamarco, quando a reclamação é acolhida o tribunal cuja autoridade fora de algum modo molestada pela decisão inferior condena o ato à ineficácia total, sem reformá-lo e mesmo sem anulá-lo, para que outro seja proferido.9

Vale dizer, a procedência da reclamação contra ato judicial significa que o órgão inferior não tinha competência para realizá-lo. Ao se estabelecer a competência do TST para julgar a reclamação, assim, reforça-se o seu papel como a mais importante corte trabalhista da estrutura do Poder Judiciário nacional.

6. Bibliografia

DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. São Paulo:Malheiros, 2007

GÓES, Gisele Santos Fernandes. Reclamação Constitucional. In: DIDIER JR., Fredie. (Org.). Ações Constitucionais. 4. ed. Bahia: Jus Podivm, 2009

GRINOVER, Ada Pellegrini. Da reclamação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 10, n. 38, p. 75-83, 2002

TUCCI, José Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. Revista do Advogado, AASP, n. 126, maio/2015


Notas

1 Advogado, membro do Conselho da OAB/SP, professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e Diretor Cultural da APDT.

2 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE nº 405.031. Rel Min. Marco Aurélio. Brasília, DJ de 17-04-2009, Disponível em: . Acesso em 06/09/2016.

3 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Disponível em: Acesso em 06/09/ 2016.

4 GÓES, Gisele Santos Fernandes. Reclamação Constitucional. In: DIDIER JR., Fredie. (Org.). Ações Constitucionais. 4. ed. Bahia: Jus Podivm, 2009, p. 25.

5 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI nº 2.480. Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Brasília, DJ de 24-04-2007, Disponível em: . Acesso em 06/09/2016.

6 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 205

7 GRINOVER, Ada Pellegrini. Da reclamação. Revista Brasileira de Ciências Criminais. v. 10, n. 38, p. 75-83, 2002.

8 TUCCI, José Rogério Cruz e. O regime do precedente judicial no novo CPC. Revista do

Advogado, AASP, n. 126, maio/2015, p. 146

9 DINAMARCO, Cândido Rangel. Nova Era do Processo Civil. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 207


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