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O sofisma do Poder Moderador

Por Almir Pazzianotto Pinto - 3/07/2020

Na ausência de motivos para levarem a efeito a ideia do golpe, as hostes bolsonaristas recorrem à figura do Poder Moderador. Invocam a aplicação forçada e torta do Art.142 da Constituição de 1988. Poder Moderador existiu, mas na Carta Imperial de 1824 outorgada por Sua Majestade o Imperador Dom Pedro Primeiro.

Dizia o Art. 98: “O Poder Moderador é a chave de toda organização política e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu primeiro representante, para que, incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos poderes políticos”. Para a regime monárquico era aceitável que ao Imperador coubesse a prerrogativa de velar, ou seja, de fiscalizar a preservação do equilíbrio e da harmonia entre os poderes legislativo e judiciário. Afinal, a ele pertencia a chave da organização política. Registre-se, ademais, que Sua Majestade era pessoa inviolável e sagrada, não se encontrando sujeita “a responsabilidade alguma”, conforme prescrevia o artigo 99.

Proclamada a República as coisas deixaram de ser assim. O presidente da República, chefe do Poder Executivo, não é inviolável ou sagrado. Responderá, se for o caso, pela prática de crimes de responsabilidade e comuns, conforme determinam os artigos 85 e 86 da Lei Fundamental.

Há algum tempo registrei que a Constituição de 1988 é a única, entre oito, que não resultou de golpe militar. Sucedeu a Constituição de 17/10/1969, conhecida como Emenda nº 1, editada pelos ministros Augusto Hamann Rademarker Grünewald, da Marinha, Aurélio de Lira Tavares, do Exército e Márcio de Souza e Mello, da Aeronáutica. Haviam assumido a chefia do Governo com a doença do presidente Costa e Silva. Para fazê-lo afastarem o vice-presidente Pedro Aleixo, seu sucessor natural de conformidade com o Art. 79 da Constituição de 1967. A História aí está para não nos esquecermos.

O Dr. Tancredo Neves foi eleito em 5/1/1985 pela pressão popular. O colégio eleitoral apenas ratificou a vontade do povo cansado de duas décadas de autoritarismo. Unida em torno dos partidos de oposição, a Nação reivindicava em grandes manifestações públicas e pacíficas o restabelecimento das eleições diretas e a restauração do Estado Democrático de Direito.

A doença que vitimou o Dr Tancredo quase pôs tudo a perder. Na noite de 14 de março, ao ser divulgada a notícia da internação no Hospital de Base começaram a circular em Brasília boatos de intervenção militar para impedir a posse de José Sarney.  A rápida interferência do general Leônidas Pires Gonçalves, futuro Ministro do Exército, teria assegurado ao vice-presidente o exercício interino da presidência, até a morte de Tancredo em 21 de abril.

A Constituição de 1988 não é produto de crise ou de golpe militar. Resultou da convocação de Assembleia Nacional Constituinte, convocada e eleita como compromisso da campanha pela redemocratização. Tem defeitos. O maior, talvez, decorrente de irrefreável prolixidade. Contém, entretanto, os instrumentos necessários à defesa do regime democrático.  As Forças Armadas - constituídas pela Marinha, Exército e Aeronáutica, instituições nacionais e permanentes e regulares, organizadas com base na disciplina e hierarquia, sob a autoridade suprema do Presidente da República - incumbe a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes a defesa da lei e da ordem”. A Constituição não as investe do Poder Moderador. Não são elas “a chave de toda a organização política”, tampouco lhes compete velar sobre a manutenção da independência, equilíbrio e  harmonia dos demais poderes políticos”, prerrogativa dos imperadores.

Para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional, ou atingidas por calamidades de grandes proporções da natureza, o Presidente da República pode ser valer da decretação do Estado de Defesa. Nos casos de comoção nacional ou de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa, ou de declaração de estado de guerra ou resposta à agressão armada estrangeira, tem a seu dispor o Estado de Sítio. No primeiro caso, o decreto deverá ser submetido de imediato ao Congresso Nacional, para validá-lo ou não. No segundo caso o Congresso deverá ser antes consultado (CF, artigos 136/141).

Em ambas as situações, para preservação do Estado Democrático de Direito, o Congresso Nacional permanecerá em atividade, sendo assegurada a divulgação dos pronunciamentos dos parlamentares nas correspondentes Casas Legislativas, desde que liberadas pelas respectivas mesas diretoras. Pelas mesmas razões, o Estado de Defesa  e o Estado de Sítio não impedirão o acesso à tutela do Poder Judiciário.

Conferir às Forças Armadas o exercício de Poder Moderador, instituto estranho ao arcabouço constitucional, significar abrir largas portas ao arbítrio.

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Almir Pazzianotto Pinto é Advogado. Foi Ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho. Autor de A Falsa República. Presidente de honra da APDT - Academia Pausta de Direito do Trabalho. Artigo publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, 3/7/2020, pág. A-2.




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Os artigos assinados e notícias reproduzidas com respectivas fontes não representam posições da Academia Paulista de Direito do Trabalho, refletindo a diversidade de visões relevantes abrangidas pelo tema e pela APDT.

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